Quem são eles? - Clara Noleto

Existe aquela hora que tudo que quer é escrever. Nada mais importa, nada mais interessa, você quer colocar lá fora aquilo que resta. Tudo vai embora, até as memórias são tão cruéis que me sinto uma puta sem bordéis. A pele ainda sente, os lábios ainda quentes, daqueles dias antigos que pra sempre foram embora. Seus lábios tão macios, seu peito tão quente, deitada nos seus braços, meu ar era infrequente. Os prazeres e o sabor, fugiram pra bem longe, deixando só um frio que na pele cola, debulhador, tornando momento, poema com ligeiro rubor. Sei que estou perdida, implorei para você me salvar, mas quem não pode salvar a si mesma, em nada pode ajudar. Hoje consigo abrir meus olhos, pensar nessas velhas memórias, vôo com as asas presentes, aquelas que você pregou nas minhas costas, aquelas que eu achei que tinha deixado no seu quarto. Espero que você esteja longe. É verdade, não consigo mais viver perto. Espero que você esteja morto, é verdade, um de nós tinha que morrer. Espero que você entenda quando eu digo que me matei. Foi por você, e só você e mais ninguém. Tenho que me matar todos os dias, pra todos os dias fazer de novo, tenho que misturar a massa, a água e o ovo. Todo dia, sou um outro sabor de bolo, todo dia sou uma outra idiota boba. Todo dia sou uma outra babaca rouca. Dias que achei que te amaria pra sempre. Na verdade, esses "dias" se chamam hoje e amanhã. Talvez depois de amanhã eu tome um café, e esqueça de uma vez daquela vez atrás do bar do seu zé. Onde trocamos cafunés, nossas pernas trocadas, se enchiam de prazer em cima da murada. Éramos dois naquele tempo, em que tudo foi embora, com seus gostos sedentos, poesias e histórias.

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