Postagens

Mostrando postagens de abril, 2014

História Experimental: Cimetière

Era uma manhã fúnebre. A chuva caía como um manto cinza e pesado de um céu recheado de nuvens densas. Nuvens de escuridão sólida. Não passava nenhum fio de luz através do céu e mesmo se passasse, ninguém realmente queria saber. Caixões se empilhavam no subsolo marrom daquela terra de superfície ampla e gramada, cercada nas extremidades por grades negras de ferro enferrujado. Poucas pessoas estavam ali, no centro daquele vasto terreno de fantasmas, em parte porque quase ninguém conhecia sequer o nome do morto. Aliás, até a parte que conhecia, não tinha motivos para ir até lá pegar chuva à toa. Uma camionete com a pintura velha e desgastada descarregava o caixão para as condolências antes de ser atirado no vazio da terra. De todos os 25 filhos do homem, apenas uma filha, a caçula - a que teve menos tempo com o pai para ser traumatizada - era a única por ali. Não havia uma esposa. Se houvesse, talvez ela não estivesse chorando também. Provavelmente ela estaria vestida com roupas repleta

História Experimental: Sentidos

Você está sentada, me olhando. Estamos nesse restaurante universitário, vulgo "bandejão". Ocorre uma luta, onde tenta se revesar entre olhar pros meus olhos e olhar pro prato que está a sua frente. A comida tem sabor de sal na sua língua, tanto sal que a cada garfada, pegas o copo de suco e concede a si mesma uma pequena tragada, procurando naquela água com açúcar, o doce que vai amenizar um pouco da salinização da vida. Eu mendigo um olhar teu. Meus olhos vagueiam pelo seu rosto e pelos seus ombros que ficam parados, enquanto sua cabeça chega alguns milímetros mais perto. Me provocas. Busco teus olhos, como um viciado procura um cigarro toda vez que fica ansioso, mas eu não preciso de ansiedade para buscar meu vício. Arrasto minha mão por cima da mesa, até tocar na sua. Você deixa sua mão perto da minha durante algum tempo, mas não é possível que almoce sem usar o garfo. Sinto a textura leve e morna da tua pele se descolar da minha. Sensação a sensação, segundo a segundo