História Experimental: Uma Parte da História do Homem que Sabia Voltar no Tempo

Existia um homem que sabia o segredo de voltar no tempo. Não, infelizmente não era uma máquina do tempo onde as pessoas entravam e, com o aperto de uma alavanca, podiam esperar ser transportadas para onde quisessem no tempo enquanto tomavam um delicioso refresco. Aliás, limonadas sempre estragam quando você viaja no tempo. Não, essa história é sobre tal segredo.

O homem estava sentado na sala assistindo a televisão. Sua pele negra ganhava pequenos reflexos no couro nu de sua cabeça e no rosto oleoso, reflexos feitos pela iluminação que partia do televisor antigo. A cada segundo que passava, risos emergiam do televisor, invadindo a cabeça do homem. A cada segundo que passava, aquele programa estava mais enfadonho. Depois de um dia inteiro assistindo aquele mesmo canal, ele decidiu levantar, mas demorou-se olhando para a tela da televisão desligada. Por um segundo, viu em seu reflexo um homem com aparência de 50 anos, com barba rala cheia de imperfeições. Os cabelos ausentes na cabeça pareciam ter-se unido na altura de sua sobrancelha grossa. Os olhos estavam cheios de marcas profundas de cansaço. Olhou através da janela sem vidro do cômodo onde estava. Uma chuva caía em plena madrugada no meio da rua.

Decidiu levantar. O pequeno banco onde estivera sentado, agora serviria de pequeno banco na cozinha daquela casa simples. Foi até lá e abriu a dupla caixa de isopor que servia como geladeira. Pegou uma embalagem de leite fechada e foi até o fogão velho, que também podia ser chamado de mesa de jantar. Pegou um copo sujo que estava em cima do fogão e começou a preenchê-lo.

Enquanto este último era preenchido, o homem olhava o leite fluir da embalagem. Em um segundo, o homem pensou entender o tempo. No próximo segundo, ele soube como voltar no tempo. Sim, parecia tão claro agora.

"O leite enche o copo. Enquanto o leite enche o copo, consigo sentir o movimento de um morcego pendurado no meu telhado, também consigo perceber a chuva cair lá fora na rua e o zumbido da televisão que desliguei agora. Imagino agora, o tempo como uma linha comprida, onde Deus apenas deixa nos movermos para frente."

"Enquanto todas essas coisas que descrevi movem-se pra frente, eu também me movo. Mas como percebo isso? Percebo pela minha memória. Ela grava os instantes do tempo e os coloca em uma ordem pra mim. Mas e se voltar no tempo implique não necessariamente se lembrar de que você voltou no tempo, e sim esquecer? E se voltar no tempo não necessariamente implique esquecer, mas sim 'desviver', ou seja, quem vive, avança no tempo, quem 'desvive', retorna no tempo."

"Mas como eu posso desviver minha vida? Ao menos para vivê-la novamente, outra vez? Será que Deus permitiria a mim voltar? Porque não? Ele me deu um livre-arbítrio, eu posso decidir."

Enquanto pensava isso, o homem percebia mais sobre esse novo conceito. Sua carne não estava ligada ao tempo, mas apenas moldada por ele. Talvez, se ele pudesse se refazer, de dentro para fora, com novas percepções, novas forças de vontade, talvez...

O homem então começou a desviver, a voltar no tempo. Mas nunca lembrou que estava voltando, porque o instante que ele teve a percepção de que voltar seria desviver, nunca aconteceu. E todos os instantes eram os mesmos, mas apenas em alguns ele teve o Dejavù de está-los vivendo uma segunda (?) vez.

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