O problema do neosofismo brasileiro


Preciso externalizar algumas idéias. Faz tempo que elas se encontram dentro das minhas entranhas, faz um tempo já que eu as trabalho, que as coloco em cheque com a realidade, mas elas permanecem.

Esse mundo está inteiro. A humanidade está destroçada. O principal motivo pra isso é que os conceitos que utilizamos como base pra fundar a sociedade foram impostos à todos os seres, sem que eles entendessem quais eram esses princípios e menos ainda que ele se sentissem parte da sociedade criada.

As pessoas não foram ensinadas à relativizar suas perspectivas nem incentivadas à estimular sua empatia. E as boas pessoas, os verdadeiros "cidadãos de bem", que aprenderam isso, às vezes ignoram seus princípios e suas próprias opiniões em uma supervalorização de um movimento em grupo, se iludindo pelo "fazer parte" no lugar de fazer parte de si. 

Não há recompensa na nossa sociedade pra quem ajuda sem segundas intenções. Se não existir nessa pessoa que ajuda, o conceito de autorrealização e autopercepção, tudo que resta é uma visão individual e egoísta. É quase como se nossa sociedade fosse avançando de uma forma bizarra e abstrata, autogerando e ignorando seus erros, criando e copiando outras civilizações e modos de vida sem se dar conta sobre os princípios que as regem. Cortando a parte boa da vida em sociedade, dos direitos, e esquecendo dos deveres. Inspirados no modelo estadunidense, colocamos uma quantidade de papel colorido marcado com símbolos - dinheiro - que determina um valor ideal para cada aspecto da vida moderna. Sobre modelos de vida em uma plataforma de existência já inicialmente injusta.

A falta de significado ainda empodera o que há de pior na aplicação dos recursos linguísticos e outros recursos de postura pelos "neosofistas" do Brasil. 

Todos que prestaram atenção na aula de Filosofia, sabem que em uma época da Grécia antiga, existiam esses seres que os historiadores denominam sofistas. Lembro do meu professor da quinta série - que se chamava Magno - que exemplificava de maneira simples, o jeito de um sofista pensar: "A galinha tem duas patas, o homem tem duas pernas, logo o homem é uma galinha!". Ou seja, esses seres humanos eram mais do que tudo, mestres da linguagem. Eles podiam te convencer, com argumentos baseados em fenômenos naturais ou "conhecimento geral", a acreditar em qualquer coisa. 

Os sofistas não eram produtores de conhecimento mas eles efetuavam mudanças diretas nas representações mentais de seus interlocutores pra que estes acreditassem no que eles quisessem. Essas mudanças poderiam ser orientadas em direção à qualquer interesse : Ganhar dinheiro ou poder; fazer as pessoas acreditarem que vão receber uma recompensa no final de suas vidas; causar dor ou receber amor; incitar o ódio e a guerra; ou realizar paz.

Existe no Brasil um movimento sofista que não é novo, que cresce na violência intrínseca ao ser humano e na ausência geral de senso crítico. A consequência direta desse movimento na sociedade brasileira é que os interesses reais por trás dos discursos não são questionados como deveriam e o significado do que é dito não importa tanto mais. 

As mesmas promessas em formas de palavras foram ditas tantas vezes que elas não importam mais. Estamos enfrentando momentos tão obscuros que não acreditamos mais em uma pessoa ou em uma idéia. Acreditamos no contrário. Acreditamos no que uma pessoa não representa : Não importa mais o que um político diz e sim o que ele não representa. 

Digo no plural "acreditamos" porque não é mais possível abordar esse problema como uma dicotomia. Não pode existir nós contra eles, eles contra nós. Quem se beneficia dessa polarização? Você já se pôs essa questão? Não sou eu e não será você. Não será sua família brigando no Whatsapp nem as pessoas se matando nas ruas por discussões políticas.

Esse problema é um paradoxo particularmente contemporâneo no Brasil mas não é novo. É um paradoxo enunciado por Ludwig Wittgenstein - impossível escrever esse nome sem pesquisar na internet - e nomeado Paradoxo de Moore: Uma afirmação que nega a realidade. 

Um exemplo que veio inesperadamente à minha mente : "Bolsonaro é político a quase 30 anos, mas acredito que ele representa uma mudança" ou "Haddad não cumpriu metade das promessas no governo de São Paulo, mas acredito que ele será capaz de trazer uma mudança real para o Brasil".

São frases tidas como absurdas porque contradizem os próprios fatos. A frase em si é uma armadilha lógica que exige explicação. Mas como televisionado em rede nacional pelo Jornal Nacional no Brasil, um jeito de sair dessa armadilha sem se explicar é mudar de assunto mostrando um livro polêmico ou acusando seu interlocutor de um assunto mais polêmico.

Essas afirmações que negam a realidade podem ganhar a qualidade de notícias e então se propagam com uma velocidade impressionante. O termo mais atualizado pra tal mutação de acordo com dicionário de Oxford é "fake news". 

A única blindagem contra todas essas manipulações, seja qual for a lado, é o senso crítico. Mas finalmente, o que é o senso crítico? Não é a capacidade de se criar teorias falsas sobre como a mídia e o universo brasileiro está toda contra um candidato especificamente, nem acreditar que exista um inimigo único pra todos os problemas do Brasil e muito menos acreditar que alguém foi indicado por um ser divino para trazer a mudança que precisamos. O senso crítico é uma simples expressão : "Por quê?".

A mudança que precisamos é a criação de uma autoconsciência. Uma revisitação aos valores centrais do porquê estamos vivendo em conjunto. Por que empilhamos 100 andares de apartamentos num mesmo lote pra construir prédios gigantescos afastados do nível da rua? Por que criamos ruas privadas, muros altos e todo tipo de isolamento social possível? 

Temos um sonho brasileiro que é deficitário do conceito de comum, logo completamente excludente. Isola-se o ser da realidade. Um jeito fácil de entender isso é se perguntar o porquê do sonho de alguns brasileiros ser viver numa casa em um condomínio fechado, protegido atrás de seguranças, muros altos, câmeras e armas, convivendo apenas com os capazes financeiramente - e claro, "mentalmente" - de morar ali.

Todos querem se sentir seguros e que seus filhos estejam seguros. Mas no minuto em que você decide isso construindo um muro maior ainda, você não resolveu o problema, você o ignorou. 

Você já deveria saber nesse ponto da sua vida, que tudo que ignoramos não exatamente desaparece, na verdade muitas vezes cresce. E quando cresce, ultrapassa qualquer muro, cerca, paredes e pele, não importa qual altura, cor, gosto, sexualidade ou idade tenha.

Até qual altura são os muros que você vai construir ao redor de si? Até quantos dígitos na conta bancária até entender o que é importante? Será que a gente pode realmente continuar nesse caminho?

Sinceramente, não sei. Não vou te enganar dizendo que sei a resposta definitiva pros seus problemas, eu não sou um sofista. Eu acredito que você também não seja um. Mas se eu puder pedir algo pra você, que chegou até aqui, por favor, não seja enganado por um.

Arme sempre apenas sua melhor ferramenta de legítima defesa - como sempre um pouco cliché, mas do fundo do coração.

Arme sua mente.

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