Hérboris e Garculius

Rio de Janeiro, janeiro 2020

Acho que um dos grandes problemas do Croatt durante todos esses 11 anos que escrevo foi que minhas análises da vida nunca foram acompanhadas das situações que vivi. Essas análises acabam se tornando uma mistura de generalizações que apenas eu consigo compreender quando comparo com o que eu vivi ou outras pessoas quando elas viveram situações parecidas. Talvez seja o medo de ser pessoal demais, de expor quem sou demais, de revelar demasiado quem sou e que vocês, leitores, vejam a verdade: sou uma pessoa simples. Dentro do Croatt, quis descobrir meus próprios segredos e escrever sobre eles.

Tomo uma distância em relação à vida em comunidade que não é natural. Desde pequeno, lembro que na escola no ensino fundamental, possuía dois amigos: Hérboris e Garculius. Éramos crianças brincando no recreio. Lembro-me que Hérboris seguia Garculius sempre, não importa onde fosse. Hérboris o defendia de toda forma, às vezes até pegava a culpa de alguma coisa no lugar de Garculius. Garculius inclusive conseguia fazer com que Hérboris o obedecesse. Fosse para puxar a alça do sutiã das meninas para estalar no ombro, fosse para fazer o para-casa no lugar dele. Lembro-me também que em uma ocasião, Hérboris não obedeceu Garculius e então, Garculius ficou irado. Mandou ele ir embora, procurar novos amigos.

E ele me procurou. Foi a primeira vez que eu vi essa situação acontecer. Sendo bem sincero com você, eu gostava muito de Hérboris. Ele era alguém gentil e sempre engraçado. Ao contrário de Garculius - seguido e amado por praticamente toda escola - era a primeira vez que alguém havia decidido me seguir. Hérboris havia começado a puxar meu saco, me seguir para todo lado. E quando eu digo "para todo lado" era mesmo incrível, ele me seguia no banheiro, me seguia na lanchonete, me seguia não importa onde eu estivesse e me perguntava o que eu estava fazendo. Eu estava lendo, curtindo minha solidão do recreio, pensando em algumas outras milhões de coisas que eu aprendia. Eu queria paz. Queria a amizade de Hérboris, mas queria também que ele entendesse que eu precisava do meu tempo. Eu precisava de sentar no segundo andar ou me esconder na biblioteca porque eu amava ler.

Em um dia em que eu estava mais nervoso, gritei com Hérboris pra que ele voltar pro seu amigo Garculius, pois eu odiava "puxa-sacos". Se fosse pra puxar-saco, que ele puxasse de alguém que gostasse.

Isso afastou uma das únicas pessoas que havia se disposto a ser meu amigo naquela escola. Os anos seguintes foram de isolamento completo até eu me mudar de escola em vias da solidão que sentia estudando lá.

É estranho pra mim que nessa vida uma confusão que acontece na palavra distância. As pessoas se afastam inevitavelmente pois elas mesmas tem suas rotinas e cada um procura seu próprio meio de existir. Essa distância - tida como uma demonstração de desafeto - acontece naturalmente entre as pessoas e suas vidas, não importa o quanto de carinho a gente nutra uns pelos outros. Às vezes acontece realmente porque cada um tem seu tempo.

Não sou uma pessoa de ligar em aniversários. Nunca fui. Comemorar 1 ano de vida pra mim é ainda motivo de conflito. Em todos meus aniversários, nos anos anteriores, fugi. Fui para o mais longe possível - acampar no meio do mato - pra evitar essa comemoração estranha. Pra mim é como se estivesse perdendo tempo. Cada 1 ano de vida comemorado, gastei 1 ano de vida tentando alcançar um objetivo que ainda não alcancei. Sabe, sempre admirei pessoas que sabiam naturalmente qual dos dois caminhos era o melhor a ser tomado. Grandes aventureiros, grandes exploradores e grandes conquistadores. Pessoas cujo poder de decisão das próprias vidas vinha naturalmente à eles.

Em um momento como esses, depois de ter visto e vivido algumas experiências, assumo que essas pessoas não existem. Os grandes são tão pequenos quanto nós. Crianças crescidas e que viraram adultas simplesmente por causa do tempo que passou, não pelas experiências que viveram. Elas têm tanta dúvida e questionamentos quanto qualquer pessoa teria. Eles escondem bem para o público exterior. Não deixam de ser pessoas vazias.

É libertador para mim - particularmente nesse momento da vida, com tantos desafios gigantescos a superar - buscar esses livros que lia a tanto tempo atrás e me desligar um pouco da internet. Voltar ao estado lúdico depois de tantos anos entregues à Universidade.

É uma pausa estranha mas aparentemente obrigatória. Eu precisava recarregar.

Eu preciso.

obs. se você está lendo isso e eu demoro a responder pelo whatsapp ou pela internet em geral, peço que me compreenda. nossas vidas e velocidades não são parecidas. não significa que não gosto de você ou que você não faça parte dos meus pensamentos. só funciono de um jeito diferente. o carinho sempre permanece.

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