O Mundo Dentro


Não sei você, mas eu, me sinto cansado. Não sei seu sorriso, mas o meu, não existe mais aqui.
Aqui deixa de ser minha face e é uma máscara sem pele por baixo, a máscara já a substituiu.
O teatro têm me completado, as personalidades, interpretações e ações são tão parecidas com a realidade.

Existe um certo ponto em que eu deixei de olhar para fora, e olhei para dentro. Onde as minhas impressões e opiniões deixaram de olhar para a realidade de fora, e comecei a vasculhar o interior. No meio do interior, não existe caminho por onde seguir, não exista nada. Realmente, existe também uma melancolia, de dizer sempre as mesmas palavras, a mesma visão, o mesmo jeito, mas de qualquer forma, quero contar uma história.

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Os dias passam na cidade Eterna. Apesar de nomeá-la assim, não se sabe se realmente ela é eterna. Os prédios tocam o céu e as ruas são limpas, largas, cheias de pessoas que sorriem e com roupas que transmitem sensações felizes, alegres, contentes. As janelas são limpas todos os dias por robôs programados para fazê-lo, e só resta uma atividade para as pessoas: pensar. Porém, não é sobre pensar em si mesmas, ou sobre fazer uma análise profunda. O pensamento é útil, objetivo, focado e direto, pensa no meio mais rápido de obter objetivos e resultados, quase perfeitamente racional, para não dizer irracional.

Nessa cidade existem pessoas que nunca tropeçam. Sempre andam em linhas retas, que não se cruzam. Por dentro, existe um vazio aterrador, mas todos os preenchem comprando mais roupas, robôs e comida. Alguns os preenchem com sexo, prazer e uma mentira que eles acreditam ser o amor.

As crianças são ensinadas a perguntar, a duvidarem do mundo, sendo que o governo de Eterna é quem provém implicitamente o que é o mundo. Os livros, aos milhares, milhões, escritos por intelectuais "conceituados" e que preenchem a mente de todas as pessoas, que amam ler, porém, esses mesmos livros, são tão vazios que se quisessem descrever o que é a praia, falariam do mar, das ondas, dos sentimentos bons e do amor, mas não diriam que a praia não tem nome, que nunca teve e nunca terá. Não falam o que precisa ser dito, e ao dizer tantas palavras, ocupam um silêncio que às vezes é merecido.

Os pais chegam às suas casas, e os conceitos conversados são sobre os tabus quebrados no último século, e sobre como todos devem buscar a felicidade, pois é isso que importa, ser feliz. Ser feliz, segundo o que Eterna diz que é "ser feliz". Um dia, um louco varre a cidade, gritando que é o fim de Eterna, dizem que estrelas vão cair do céu e destruir toda a cidade.

As pessoas são realmente atraídas por aquilo, algo fora do comum, algo que muda o conceito da vida para sempre. O louco continua seguindo, gritando, gritando, mas apesar das pessoas parecerem preocupadas, elas sentem que Eterna está sempre correta. Então, ele desiste. Olha para aquela cidade, e começa a caminhar em direção à um horizonte aleatório. Anda tanto, que não percebe que Eterna está em toda parte, e não importa quanto ande, Eterna nunca acaba. Ela preenche cada espaço, pois mesmo distante da cidade, as pessoas as têm dentro de si.

O louco corre, para tentar sair disso, não consegue, e tropeça, caindo. Fica caindo por alguns milissegundos, se pergunta se existirá alguém para pegá-lo antes que ele chegue ao poço. Ninguém o pega, mas ele tem sorte, e cai na água doce, cristalina. A água abre para uma caverna com um túnel ao qual leva o viajante a algum lugar longínquo. Mas no túnel não há luz. Apenas é permitida luz em Eterna, em outros lugares, não existe nada. Seus passos o guiam até o fim do túnel.

É o deserto de sal, onde os loucos são enviados, mas como fora parar ali?
Ele tinha consciência de que era louco, não havia se perdido, ou mandado para fora de Eterna, saíra por livre e espontânea vontade.
Talvez todos os loucos pensassem que tivessem saído por livre e espontânea vontade.

Mas como saber? Como ele poderia mudar o mundo interior, se o carregava consigo? Talvez não houvesse outra maneira, só uma solução. Se separar definitivamente de Eterna. Se separar da possibilidade de qualquer futuro, passado ou presente.

Pode acontecer à qualquer momento agora.

Eterna se vai, cacos restam da cidade que era pra durar pra sempre. Estrelas queimam o céu e rasgam qualquer sinal de civilização. A raiva corta o peito das pessoas, e elas se assassinam como animais, não importa o quanto eram civilizadas. Mas espere, não é visível isso. Os dias continuam passando na cidade Eterna, os robôs limpam as janelas dos prédios, e as pessoas sorridentes, andam pelas ruas limpas com suas roupas belas. Os cacos que restam estão onde ninguém os vê. Dentro.

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