História Experimental: Depois que tudo passar I


New York, 05 de março de 2117

Estivemos prontos pro fim. Era uma tarde de março, nada de especial até aqui. Podia-se sentir o escorregar do dia. A tempestade radioativa havia passado, os animais começavam a sair da proteção das folhas nas florestas altas de New York. Havia pouco do passado aqui. Ouvíamos lendas que a civilização havia escapado nessa região do globo, atravessamos a pé o planeta por mais de dois anos pra chegar aqui. Mas é claro que não havia esperança.

Os velhos deuses estavam esquecidos há muito tempo. Conseguimos ver o deus Liberdade enterrado sob escombros e vegetação. A vida que existia ali eram aqueles pequenos macacos que andavam pelos lugares. Sem o controle humano, os animais voltaram a reinar sobre a terra. Os terrenos mais planos e livros possibilitavam animais maiores de procriarem. Enquanto as cidades densas e com diversos obstáculos rapidamente foram tomadas por cipós, árvores frutíferas e animais pequenos e ágeis.

Não sei porque ainda uso o plural. Talvez esperança de que eu não esteja só. Não avisaram que a vida seria assim. Estávamos esperançosos, alguém deveria ter feito algo. Depois da morte de Elon Musk, não houve mais "futuro para sonhar". A SpaceX foi a primeira a falir, depois de 3 lançamentos de foguetes que explodiram no ar. Em seguida veio a Tesla. Ninguém era capaz de unir os recursos necessários para parar o aquecimento global e muito menos realizar a exploração espacial. Como a vontade geral da burguesia era robotizar as funções das camadas mais baixas da sociedade e deixar que todos sufocassem no ar impuro, foi exatamente isso que aconteceu.

Não exatamente... primeiro a água foi contaminada, depois a terra, depois o ar. Não que isso mudasse as enormes quantidades de corpos espalhada pelos campos das áreas rurais. As pessoas tentaram sair das cidades, mas no campo a situação era pior. Os grandes latifundiários usavam drones pra jogar agrotóxicos sobre as plantações e o trabalho de colher era feito por grandes debulhadeiras automatizadas. Não havia emprego pra ninguém em lugar nenhum. Sem emprego, sem comida e sem chance de sobrevivência, de 11,2 bilhões fomos para pouco mais de 100 milhões. Sendo cerca de 1 milhão de sobreviventes como nós. Como eu. Os outros 99 milhões estavam em suas viagens astrais e pilates, lendo livros cheios de cultura e discutindo política, tomando coquetéis caros, fazendo orgias dionísicas e esquiando em qualquer lugar.

Mas afinal, qual o problema disso? Eles trabalharam, não é? Não. A sociedade não teria chegado até aqui se não fosse o trabalho conjunto de todas as classes, mas principalmente, da classe trabalhadora. 

Depois dessas lições marxistas, vejo que ainda me encontro olhando a "Estátua da Liberdade" submersa e pútrida. 

Não é como se houvessem muitos lugares pra ir. Dormirei aqui sob as ruínas urbanísticas de NY. E afinal, talvez essa pergunta seja a única coisa que me mova agora, o que encontrarei amanhã?

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