Carta aberta aos meus 25 anos

 Centro Cultural, 59 Rue de Rivoli 75001 Paris

À todos os mal-criados, inveterados, rebeldes poetas dessa vida

Acabo de chegar à Lyon. A viagem de trem de Paris pra cá foi mais curta que o previsto, uma bagagem suspeita fez com que o trem parasse uma estação antes da que eu ia descer e então, fiz o resto do caminho a pé. Já estava no centro de Lyon, era só andar mais um pouco. No trem eu assisti um dos antigos e clássicos filmes da era do Furacão 2000. Ele se chamava "Prenda-me se puder" ou "Catch Me If You Can". Uma história real, inspirada na vida do ex-falsificador - e hoje um especialista em segurança que trabalhou vários anos no FBI - chamado Frank William Abagnale Jr. Ele consegue viajar o mundo inteiro falsificando cheques e com uma confiança absurda em si, ele convence e transforma suas mentiras em verdades aparentes para que o mundo abra a porta à ele. Uma viagem de duas horas Paris-Lyon, um filme de duas horas, me pareceu apropriado.

Aqui na França já são meia-noite e dezoito enquanto escrevo esse texto. O quarto em que durmo é bem maior do que dormia em Paris. Daqui a exatamente cinco horas e quarenta e dois minutos - perdão, quarenta e um - vou acordar e ir para o estágio como Engenheiro de Métodos Construtivos na maior empresa de construção da França. Aos meus 25 anos, eu me sinto com toda energia, as mãos já um pouco calejadas e toda paciência pra conquistar o que quiser.   

Até meus 15 anos, lembro que sentia um enorme conforto em continuar vivendo meus dias sem me preocupar com o amanhã. Uma inocência cercava meus atos, sem nenhuma malícia, brincava com meu futuro. Nessa inocência, queria ser lixeiro pra passar do dia correndo, mas o máximo que fiz foi levar o lixo pra fora de casa. Queria ser astronauta, mas nunca fui tão longe da superfície terrestre. Queria ser poeta, mas riram de mim quando leram minhas cartas à uma amiguinha da primeira série. Ela guardou as cartas, eles riem até hoje. Queria ser viajante, ver o mundo e as pessoas que vivem sobre ele. Queria ser escritor, e escrever sobre o que eu sinto, amo, vivo e ressinto. Queria construir realidade, criar algo a partir do nada. Lembro dos pequenos amores, cartas de amor trocadas nas pausas das aulas, mensagens trocadas pelo pouco suntuoso MSN. Lembro de ter amores que pensava durar a vida inteira. Lembro de fazer sacrifícios enormes por sentimentos que acreditava tão fortemente. Lembro dos altos e dos baixos dos meus 16 e meus 17 anos. O primeiro emprego, o primeiro amor, o primeiro sexo. As loucuras da época sempre me causam saudade. Era uma intensidade muito clara, um incêndio muito vívido em cada memória.

Aos 18 perdi todo meu chão. Não tinha futuro. Não tinha um caminho dourado bem desenhado, nem quem indicasse. Tinha conselhos, todos diziam o que eu tinha que fazer pra ser bem sucedido. Ainda dizem, de todos os lados, de todos os jeitos. O jovem tem essa característica da vida bem interessante: Todos sabem o que você tem que fazer, menos você, é claro - porquê você é jovem. Conversando com uma grande amiga semana retrasada, concordamos em dizer que ninguém sabe o que está fazendo. A escola, os pais, os parentes, a família, todos ao redor passam uma imagem que a vida está completamente organizada e seguindo um rumo bem constante em direção à algum lugar que alguém decidiu ser bom. Mas na verdade, ninguém faz a mínima idéia do que está fazendo. É quase como se fingir fosse a regra, e quem não fingir tão bem, não tiver uma confiança absurda em si e no que diz, não será nunca alguém credível ou confiável. Acreditar tanto até que se torne realidade.

E dos meus 18 anos até hoje, tenho constantemente tentado entender o que você, meu caro leitor, quer dizer. Sim, exatamente, você. Entender as razões por trás do teu comportamento, das razões que te movem a ser, a existir. O que te faz tomar uma decisão às vezes sem motivos como escrever um desenho no muro da rua ou ir até lugares pra tirar fotos desses lugares com sua presença dentro da foto ou como você escolhe quando ser/fazer bem ou mau. E não só você que está lendo esse texto em português, mas também quem lê esse texto em francês. Às vezes até pequenas anomalias na linguagem como a não-existência da diferença entre Ser e Estar em francês. Não existe diferença na língua francesa entre você ser mau e você fazer uma ação má. Imagine se o que você faz ou deixa de fazer definisse quem você é. Imagine que não existem caminhos de volta, tudo que você esqueceu de dizer ou que você não soube expressar, automaticamente definiu uma característica da sua personalidade.

Nesses 25 anos, essa característica é realidade. Não existem mais caminhos de volta, ou eu não quero pegá-los. Não existem mais "se tudo der errado, eu faço X ou Y, eu volto a tal fio que deixei solto pra continuar por ele". Não há escape.
Não existem meias palavras. As palavras são vividas por inteiro.
Até mesmo as que nunca foram ditas sejam segredos, sejam demasiado repetitivas.

Queria ter compartilhado mais das histórias dos últimos anos com você.
Foram tão intensas e tão gostosas. Tanto as cruéis quanto as cruelmente magníficas.

De qualquer forma, vamos tomar um café ou um chá. Aposto que você também tem muito pra me contar.

Um sincero trocar de olhos com uma singela piscadinha,

Eric

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