Erik, The Red - 5

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Às vezes a vida corre rápido, nesses momentos você tem que tomar cuidado para não se perder. Um passo parece pular mais tempo do que a nossa própria existência e antes de notá-la parece que ela simplesmente se esvai sem ao menos notarmos ela entrando nesse processo, ou terminando ele.

Naquele momento que vi Gabriel, fiquei feliz em ver meu velho amigo, e me perguntei o que teria acontecido com ele. Após algumas horas de conversa e uma nova roupa não rasgada, embora tivéssemos pressa, ele me disse que quando chegara em casa, havia encontrado a casa totalmente revirada e teve que matar sozinho cerca de 50 (cinquenta) reptilianos. Claro, eu não acreditei prontamente, mas quando ele continuou com sua expressão séria, fechei o sorriso que havia aberto no meu rosto e vi as cicatrizes finas e brancas que haviam em seus braços. Disse-me que alguns instantes depois de tê-los matado, encontrara sua mulher e seu filho pequeno escondidos sob a casa, no porão que havia construído anos antes, temendo que acontecesse coisa pior, ordenou à sua mulher que fosse em direção ao norte, onde seus outros parentes moravam, e onde o sangue dos lagartos não aguentava o penoso frio. Ela prontamente obedeceu, mas perguntou o que aconteceria com ele. Ele disse que lutaria para chegar a nós e nos ajudar nessa luta. Mas como havia previsto, quando a noite caiu e as pedras ainda estavam esfriando da ausência do sol, Gabriel fora sequestrado quando estava cansado. Tentava descansar do dia de luta, porém estava sem forças e tudo que pôde fazer foi se render aos lagartos nojentos.

Contou-me que no último andar da torre principal da fortaleza eles faziam experiências entre pessoas como nós e monstros moravam em outros lugares mais distantes do que tudo já visto. Lugares aonde nem a maior divindade nórdica se atrevia a ir, tão obscuros que a própria presença de um ser humano despertava a fome voraz de monstros nunca conhecidos. Disse que eles guardavam alguns desses monstros em gaiolas, e os faziam morder um humano, infectando-os com seu veneno. Ele levantou a blusa, e uma cicatriz terrível, como se houvessem arrancado um pulmão dele, apareceu. Até mesmo Fábio manteve o olhar fixo e sem piscar durante um tempo.

Ele nos disse que seja o que ele for, não tem controle sobre suas ações à luz da lua, que era um homem amaldiçoado.

- Você se esconde de noite em sua própria escuridão - disse-lhe - Que homem nunca houve de pensar pelo menos um dia, que o monstro que o habita é maior do que a realidade à sua volta?
- Mas você não entende, imagine uma noite que esteja com minha mulher e me torno esse monstro, não gosto nem de pensar no que aconteceria.
- Encontraremos um jeito de resolver isso. - Porém não estava realmente convencido.

A menção de Gabriel à sua mulher, me fez lembrar de meu amor, meu doce amor. Senti uma falta de seus lábios deslizando pelo meu pescoço, e seu perfume a impregnar as minhas vestes e meu corpo. Imaginei nunca poder tocá-la novamente e isso foi como uma lâmina perpassando meu coração. Minha personalidade se endureceu. Buscaria ela a qualquer custo. Me levantei.

- Vamos sair daqui, precisamos recuperar nossas armas e resgatar nosso povo.

Fábio e Gabriel ergueram suas cabeças e me olharam obstinadamente. Levantaram-se junto comigo, e nos direcionamos pelo corredor de celas. Por sorte era tarde, e nossos passos, mesmo com alguns poucos barulhos não foram ouvidos em meio ao clamor silencioso das sombras e estalar das chamas que pendiam de algumas velas presas às paredes de pedra. Andamos alguns minutos, até contatarmos que aquela masmorra era um labirinto.

Infelizmente, tive um pensamento inocente que se tornou verdade: "Como todo bom labirinto, deve ter algum monstro por aqui" e assim que disse isso, ouvimos algo vindo de onde tínhamos vindo. As velas do fundo do corredor estavam apagadas, talvez com a nossa pressa tenhamos apagado algumas com o vento da nossa corrida silenciosa, mas as velas que se apagaram em seguida não era por isso. Olhamos atentos a escuridão, e algo verde se mexeu. Sem sequer tempo pra pensar, um borrão verde-escuro saltou em cima de Gabriel e o empurrou através de uma parede de pedras que se desfez ao impacto repentino, o borrão pulou para a esquerda, em um ponto que não conseguíamos enxergar no meio da escuridão e pareceu nos deixar em um silêncio surdo de pedras e corpos se chocando. Aquelas paredes pareciam estar bem fixas, mas como se mostraram, elas não utilizavam a técnica de colocar barro entre as junções das pedras, com isso, não foi apenas uma parede que desmoronou, mas também os andares superiores de onde estávamos, que eram dois, e o que mais tarde seria um monte de pedras agora era uma torre com um grande espaço interno em plena desconstrução. Corremos através dos buracos das paredes e vimos que Gabriel estava bem, apenas com alguns ferimentos superficiais. Ele apontou em uma direção atrás de nós e quando olhamos, lá estava ela. As minhas doces e repentinas esperanças de vida. Meus amores - depois de Cristiane, claro - "Reptilia" e "Hand R' Chz", minhas cruéis espadas. Corpos de répteis mortos jaziam no chão devido ao impacto de um muro de pedra sobre eles, passei por cima deles e me reencontrei com minhas amantes. Peguei também "Kharm Ihl A" e a joguei para Fábio que a pegou habilidosamente e cortou o ar com destreza fazendo movimentos aleatórios com ela. Nada como ver um reencontro amoroso. Olhei para a outra espada, era a de Gabriel, não tinha nome, ele era meio machista com essas coisas, mas achei que ele não precisaria dela novamente com aquela maldiçãozinha.

O teto da torre se despedaçou em cima de Gabriel e com uma rápida guinada para a esquerda ele desviou das pedras fatais que teriam lhe tirado a vida. Porém, tais pedras também poderiam ter evitado o que viria a seguir. A luz da lua penetrou pelo buraco feito e constatamos que havia apenas mais uma parede que nos separava do ar livre, além também de que os olhos de Gabriel se tornaram vermelhos como sangue fresco.

Sua pele começou a enegrecer e seus ossos se multiplicavam de tamanho. Pelos começaram a nascer de todo o seu corpo e suas roupas que havíamos providenciado rasgaram - droga - e bem nessa hora, enquanto víamos um demônio surgir do corpo de nosso amigo através da pele, no final da linha de destruição que guiava através das câmaras das salas destruídas, o borrão verde-escuro veio em nossa direção, aos poucos ficando mais rápido e também mais visível. Parecia um reptiliano, mas tinha chifres e seu corpo humanoide tinha os músculos bem desenvolvidos. Uma calda de cerca de três metros que nascia na metade da barriga se movimentava com rapidez frenética como se estivesse nadando através do ar, seus olhos amarelos com pequenas fendas negras apontavam para a forma negra que crescia e formava à sua frente. Suas patas dianteiras e traseiras lhe davam um impulso tão grande que quando saltou na direção de Gabriel, eu juro que contei 10 segundos antes deles se chocarem, quebrarem a última parede e caírem na escuridão da noite. Corremos até a beira da parede recém destruída e vimos Gabriel, uma mancha negra e gigantesca caindo de uma altura de quatro andares em direção à uma floresta que após certa localização, determinei sendo a floresta de Kh'olville - amaldiçoada superticiosamente pelos reptilianos - ao sul da fortaleza de Reptilia. Ouvi os barulhos deles se chocando contra os galhos das árvores e se quebrando, mordendo e lutando furiosa e violentamente na noite anteriormente silenciosa. Ouvi um baque surdo se estatelando no chão, e logo depois ouvi um barulho de um monstro pousando firmemente no chão. Continuei olhando e ouvi barulho de carne sendo destroçada, consumida e vertiginosamente alimentando um vencedor.

Eu e Fábio decidimos descer até lá, e depois de alguns minutos, quando chegamos lá embaixo, após ter matado alguns poucos reptilianos de guarda e libertado os escravos da torre. O barulho de carne sendo fragmentada havia cessado. Apenas conseguíamos ouvir o barulho dos pequenos insetos da noite, e a lamúria de uma lua cheia sobre nossas cabeças. As sombras pareciam mais esguias, mais profundas, mas isso parecia normal para uma noite como aquela. Porém, quando senti o bafo quente e que cheirava a carne fresca recém-comida na minha cabeça, soube que era tarde demais.

Pulei tentando me desvencilhar para frente, e quando o fiz, o demônio negro mordeu minha perna direita. Não havia notado que Fábio havia sumido nos últimos minutos, mas parecia ter tido tempo para pegar as peles dos répteis que matamos e as jogou em cima de Gabriel, fazendo-o voltar ao normal gradativamente sob a pele reptiliana. Gabriel olhou para minha perna e em seguida para mim com tristeza, mas sem nenhuma lágrima, se afastou em direção a torre. Fábio olhou para mim.

- Isso vai te transformar em um demônio. A não ser que façamos algo. - Ele disse.

Olhei para minha perna direita. A escolha era simples. O veneno provavelmente ainda não tinha entrado em todo meu corpo porque a maioria de meu sangue saía pela minha perna... A escolha era simples, e a decisão também fora.

- Corte agora.

Fábio ergueu "Kharm Ihl A" e a baixou em um golpe único e profundamente cortante em cima da minha coxa direita. Gritei alto de dor e em seguida desmaiei.

Fábio me disse que quando desmaiei, ele estancou o sangramento com um pouco de seu conhecimento para emergências, mas mesmo assim, parecia que eu iria morrer, pois havia começado a delirar. Ele e Gabriel me levaram até uma casa abandonada no meio da floresta Kh'olville. Ele tentou fazer sangrias, mas apenas pareciam que apenas pioravam minha situação. Me disse que fiquei semanas e semanas desacordado. Nesse tempo, foi quando mais sonhei com Cristiane.

Sonhava vê-la, entrelaçar seu corpo ao meu.
Sonhava com o resgate à ela.
Sonhava com os dias que não nos preocuparíamos com cortas cabeças de inimigos, e apenas nosso amor importaria.
Sonhos utópicos para aqueles dias, eu sei, mas quem sonha busca uma melhor realidade.
Porém durante um desses sonhos que tive meu maior pesadelo.

Estava em pé, de alguma forma, me apoiava no chão com os dois pés, porém sabia que havia perdido um deles. Ao meu redor nada havia senão escuridão, escuridão grossa e profunda. Estava nu, apenas com minhas duas espadas. De um instante para outro, Reptilia começou a pesar mais que o normal. Parecia feita do material mais pesado do mundo, tão pesada que caiu no chão, próximo à minha perna direita. Olhei para a espada e olhei para minha perna. Ela estava verde. Verde não uma cor, mas um verde característico da pele dos reptilianos. Ouvi o retumbar de uma voz através da escuridão. Um retumbar incompreensível, até que se tornou um sussurro.
- Você é um de nós. - Claramente era outro idioma, um idioma reptiliano, mas o entendi perfeitamente. E quando entendi porque, olhei novamente para minha perna e desejei morrer, desejei me matar. Como aquilo havia nascido ali? Como eu poderia ser metade reptiliano? Aquela pele verde de lagarto começou a crescer bem à frente dos meus olhos, começou a se tornar parte de meu corpo, começou a querer me dominar. A me tornar um lagarto nojento. E quando me vi através de meus próprios olhos, eu havia me tornado um nojento lagarto reptiliano. E foi então que acordei sozinho deitado em uma cama de madeira próxima à janela de uma casa até então desconhecida.

Algumas vezes queria que sonhos se tornasse realidade, e outras queriam que fossem apenas sonhos. Quando olhei para minha perna direita, nunca havia desejado tanto que fosse um pesadelo.

Cresciam escamas verdes dela. Não, não. Alguém tinha colocado uma perna de réptil em mim.

Consegui movê-la lentamente e notei o óbvio: Era agora um deles, seu sangue se misturava ao meu...

Um reptiliano. E as coisas mal estavam começando... Principalmente depois do que fizeram com Cristiane.

Comentários

  1. Me surpreendi com o novo template do blog.

    Notei que o link no início (Toda a série: Clique aqui) deste post está quebrado.

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