Mochileiro #3 - Buenos Aires - Parte 1

Estou aqui. Sentado no meu quarto em Viçosa, MG. As paredes estão próximas, afinal é um quarto pequeno branco descascado com uma laje baixa, como era meu peito antes de decidir sair daqui. Planejei uma viagem apenas de ida, ao outro lado do meu mundo - o que não é muito distante, aliás. Já se perguntou o quão longe você consegue chegar? Já se perguntou quantas decisões seriam necessárias para mudar quem você é por todo o sempre? Nesse caso, a distância foi longínquoa. Nesse caso, foi preciso apenas uma decisão pra chegar o mais longe possível.

Não avisei a ninguém, apenas saí pela porta. Peguei carona de Viçosa para Belo Horizonte à tarde, quando cheguei à noite, parei na rodoviária apenas para comprar uma passagem para o próximo ônibus para São Paulo. Enquanto o õnibus se movimentava indo embora dali, passei por todos os lugares onde as minhas memórias estavam, onde meu peito insistia em me levar nos meus pesadelos. Passei em frente à minha casa, a olhei distante, a janela da sala estava aberta e acesa. Passei pelas esquinas de Contagem, e pela casa dos meus amigos. Fui ainda mais longe. Comecei a ir além das minhas memórias, além dos lugares onde elas poderiam ainda existir. Transpus a barreira dos meus limites. Adormeci.

Quando acordei, ainda estava com a blusa da UFV com a qual eu havia dormido na noite retrasada em Viçosa, ainda tinha as mesmas roupas e a mochila arrumada às pressas para uma viagem sem destino. Acordei na rodoviária em São Paulo. Fiquei vagueando por lá pois ainda eram 5h da manhã, e nada estava aberto. Uma padaria ao lado da rodoviária começou suas vendas antes do sol ter nascido, e então aproveitei para comer um lanche. Olhei o sol nascer cinza em São Paulo. O ar era seco. Meu pulmão pedia por mais oxigênio. Havia planejado como faria para pegar o meu vôo de São Paulo para Porto Alegre - que havia comprado em Viçosa. Peguei a linha municipal até a divisa com a cidade de Guarulhos e depois peguei outra linha até o aeroporto. A foto abaixo é de quando cheguei no aeroporto de Guarulhos às 8h da manhã, onde fiquei um dia inteiro e dormi durante à noite para pegar o primeiro vôo para Porto Alegre que era às 7h da manhã do dia seguinte.


Na manhã seguinte, peguei o meu vôo para Porto Alegre, comprado por 120 reais, muito mais barato do que de ônibus. Vi todo o trajeto a partir da janela do avião, cada vez as nuvens estavam mais distantes e as pessoas, imperceptíveis. Do céu, até mesmo as nuvens são pequenas. Até mesmo os maiores problemas, são pequenos.


Quando desci em Porto Alegre, nunca havia visto uma cidade tão estranha. Não era cheia da maldade da cidade grande, não era cheia de pessoas correndo para todos os lados. A vida ali fluía de uma maneira bela, crua como as planícies que cercam a cidade. As pessoas são doces, simples e diretas. É claro e belo cada modo de cada pessoa em cada lugar, é fascinante na verdade. Me faz desacreditar de todos os padrões em que achei que vivíamos.


Andei bastante pela cidade, passeei pelas pessoas. Fui uma pessoa diferente a cada passo, a cada olhar. Entrei em um motel e negociei um banho rápido em um dos quartos por um preço pequeno. Depois do banho, comprei um delicioso almoço, simples, mas que me satisfez pelo resto do dia. Andei por toda cidade, e encontrei embaixo de um prédio velho, um sebo ainda mais velho. Comprei um livro que achei muito interessante, como um presente.


Conheci pessoas fantásticas em Porto Alegre, principalmente, a mais fantástica, quando peguei o ônibus que ia para Buenos Aires. A pessoa que me salvou dessa queda brusca, dessa destruição total. Enquanto olhava as planícies, estava sentado ao lado dela no ônibus, mas eu não iniciaria uma conversa. Meu objetivo era a queda. Não queria que ninguém me aparasse. Não queria parar. Só cair.



Enquanto estava em Porto Alegre, o mundo se mostrou à mim. A realidade puxou meus pés para dentro do chão. Senti todos ao meu redor, senti todos os perigos que eu corria. Senti ser olhado, medido, analisado e sendo mensurado em reais, dólares, pesos, qualquer moeda corrente. Senti o peso da realidade e sentei no banco de ferro desconfortável da rodoviária de Porto Alegre. Era uma questão simples, você quer voltar pra casa ou continuar Eric? Você quer fazer algo que talvez você se arrependa para todo o sempre?


Sim, eu quero.

Fim da primeira parte

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