A cadência francesa


Le Crotoy - Normandie


Desde que cheguei, tenho me apaixonado um pouco mais pela humanidade. A maneira de ser e interagir, toda essa sensibilidade que reina logo abaixo dessa camada superficial de palavras. Ao mesmo tempo, percebi que a maior parte das observações que tenho sobre a França são iguais ou muito parecidas com nosso comportamento brasileiro. Não existe uma grande diferença assim apenas sutilezas. Uma delas é a cadência.



Primeiro, gostaria de definir o que entendo por cadência. Não sei a definição linguística mas defino aqui como o ritmo que conduzimos ao compor uma frase oralmente.



Por exemplo, no português marcamos nossa cadência colocando vírgulas em posições definidas na frase. Essas vírgulas embora nem sempre condizem com o que os gramáticos gostariam que fosse feito, ditam sobre as pausas quando falamos. Aqui nesse texto é a melhor forma de demonstrar o que quero dizer.



No português poderíamos fazer uma frase falando:



1. Ontem eu estava em casa, lendo um livro, e miraculosamente do nada, alguém bateu na porta.
2. Ontem, eu estava em casa lendo um livro, e miraculosamente, do nada, alguém bateu na porta. 


É uma mudança muito sutil nas pausas que fazemos que não faz muita diferença na língua portuguesa. A função da língua foi cumprida: a história foi compreendida, a informação transmitida.



No francês, essas pausas são uma regra. Uma mesma história pode deixar de ser compreendida se você não colocar as pausas no lugar apropriado. Elas são muito mais importantes e de fato sem a presença do silêncio, a função da língua - de transmitir uma informação - não seria cumprida. Os franceses não entenderiam. Isso provoca uma confusão gigante. Nunca sabemos quando alguém terminou de falar algo ou quando "podemos" falar - sem sermos extremamente mal-educados.



E ainda no francês parisiense, se você não terminou de concluir um raciocínio é melhor você estender o som de uma vogal do que deixar uma pausa. A pausa simboliza o fim de uma construção lógica dentro da composição de uma frase.



Quando aprendemos as três possibilidades de fazer uma pergunta em francês, reafirmo que são uma verdade extrema. Não existe a possibilidade de que algumas palavras mudem de lugar e dê certo. Eles não entenderiam a frase.



Essa forma é sempre muito bem definida.



Mesmo que uma pessoa seja inteligente e competente, a definição de alguém brilhante ou genial na França é diretamente ligada ao domínio da linguagem corporal e oral. Um domínio do tempo entre a colocação das palavras. Um domínio da cadência.



A questão central têm sido como alguém consegue controlar ou provocar na mente do seu interlocutor uma combinação perfeita. Ajustando cada intensidade das palavras escolhidas na frase.



Eu cito essa intensidade das palavras porque a provocação é algo muito importante nesse "ambiente intelectual" francês. A provocação consciente dentro da cultura francesa é a prova de um certo brilhantismo radiante e que a princípio, me causou um choque cultural.



Ao mesmo tempo, deixo pra você o questionamento final, quais desses comportamentos são tão diferentes assim do que temos no Brasil?

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