História Experimental: Constelações


Há um tempo - consideravelmente pequeno - atrás, existia uma casa. Era simples, apenas um andar, feita pelas mãos de seus próprios moradores. Existia um quintal belo, cheio de flores, que eram regadas todos os dias, nos primeiros raios de sol. A vizinhança era feita de casas muito parecidas com essa, e a rua era feita de terra batida. Quando chovia, as crianças corriam para fora para brincarem de barquinho, pular a poça, guerra de lama, navio pirata e corre-que-minha-mãe-ta-chegando-e-a-gente-ta-sujo-de-lama. Quando não chovia, as crianças corriam para fora pra brincarem de pique-pega, esconde-esconde, peão, amarelinha, bambolê, bola de gude e tudo o que a imaginação deixasse.

Nesse dia em especial, em uma casa especial, era hora do almoço, e em uma cozinha simples, com uma bancada, um fogão à lenha e uma mesa, uma criança e sua mãe estavam terminando de preparar a refeição. Ela estava sentada à mesa, desenhando algo numa folha de papel com um lápis recém-apontado e a mãe, estava de costas, de avental e com as mãos balançando, enquanto preparava algo no fogão, que estava fora da visão da criança. Claramente, você deve imaginar que eles estavam falando algo, e sim, eles estavam. A pequeno pessoinha fazia perguntas à sua mãe, querendo saber o que eram as coisas que estavam à sua volta:

- Mãe, porque nós temos que almoçar?
- Se a gente não comer, a gente fica fraco, meu filho. Tem que comer, saco vazio não pára em pé.
- Mas mãe, e se alguém fica sem comer pra sempre?
- Aí morre meu filho, ninguém consegue ficar sem comer, ninguém vive sem isso.
- Mas mãe, e se alguém comer só um tantiinhozinho assim ? - a criança juntou as suas duas mãozinhas apanhando só um tantinhozinho de ar e sua mãe olhou para ela, entendendo o que ele queria dizer.
- Bom filho, se alguém comer só esse tantiinhozinho aí, vai ficar só um tantiinhozinho forte, e vai ficar só um tantiinhozinho feliz.

Se deu um longo-curto silêncio, longo pois pareceu significar muito, e curto porque durou só dois segundos e então a pequenina criança perguntou novamente:

- Mãe, se um moço ficar um tantiinhozinho só vivo, o que acontece?
- Filho, não tem como ficar um tantinhozino vivo. Ou você está vivo, ou você está morto.
- Mas o que é estar morto mãe?

Nesse momento, a mãe não sabia o que responder, ela parou de mexer as mãos e ficou um tempo com o olhar perdido no ar. Não bastava dizer que "era não estar vivo", tinha que ser explicado de alguma forma. A mãe refletiu e sabia o que era estar morto, afinal, havia perdido muitas pessoas, desde pequena, aprendera o que era a morte porque a vida a ensinou. Como poderia seu filho aprender algo que a única professora era a vida, a quem ensinava seus alunos do pior modo possível?

A mãe abriu a boca um pouco e tentou unir alguns sons, mas não saíam palavras. O que era a morte? Só uma ausência? Uma presença de paz? O começo do fim? O fim do desequilíbrio completo? Não se sabia responder. A mãe tentou explicá-la:

- Filho, estar morto é quando ... ah, como eu posso dizer ... pra te explicar o que é a morte, tenho que primeiro te explicar o que é vida, meu filho, mas nenhum dos dois, eu saberia descrever ... e ... posso te mostrar, e você talvez entenderá. Vê as mãos da mamãe?

A mãe ergueu suas mãos e as mostrou para o filho, virando metade do corpo para fora da bancada.

- Sim mãe, estão vermelhas.
- Olhe aqui na pia.

A criança levantou da mesa, e andou devagar até a bancada, onde ficava uma pia funda e olhou dentro. Seus olhinhos observaram cada detalhe lá dentro e então, ele reconheceu.

- Mãe, porque o papai está na pia?
- Seu pai está morto filho, essa é apenas sua cabeça, sem vida, entendeu o que é morte?

- Ah, agora entendi mamãe.

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