História Experimental: De Tarde Quero Descansar, Se o Vento ainda está Forte


Era dia, na verdade, era uma tarde de domingo. Aquela tarde tediosa, em que o tempo não quer passar e o sol continua a invadir as casas com aquele vapor quente, soprado pelo vento, abafando a sala aonde duas pessoas assistiam televisão. Não era uma sala propriamente destacante, na verdade, os móveis eram velhos, recém-adquiridos de um topa-tudo, uma loja de muitas coisas usadas. As almofadas estavam meio gastas, e por isso, a dona do sofá colocava um pano em cima pra que a visita não visse os buracos. Um ventilador soprava lentamente um ar quente, cheio de poeira, tentando amenizar o calor. A televisão estava em cima de uma mesa de plástico, daquelas que ficam nos bares - que também estava com um pano pra não mostrar a mesa -, e a felicidade, ali se sentava cansada demais pra levantar.

A visita perguntou que horas eram, estava silêncio e acabara de chegar, estava querendo que os dez minutos passassem rápido. A senhora se levantou do sofá, foi até a cozinha, sumindo da visão da visita e gritou de lá que eram 17:04h. Fez um cálculo rápido na cabeça, e faltavam só 2 minutos pra ir embora. A senhora olhou pra sua visita estranha, conhecida desde pequena, e mesmo assim, tão estranha ali, sentada, sem palavras, só silêncio. Aquele silêncio que abafava o ambiente.

17:05h, o silêncio continuava, apenas o barulho da televisão ecoava pelas paredes pintadas de rosa florescente que esquentavam mais ainda a sala. Passava um desses programas de auditório da tv. O apresentador sempre sorria, a platéia aplaudia, era algo belo de se ver, havia emoção, pessoas realizando sonhos e pessoas felizes. Os olhos da senhora até mesmo a fazia acreditar que podia ser feliz. Claro que podia, quantas pessoas ali na televisão o eram, mesmo com problemas, tudo se resolvia. A senhora olhou para sua visita, começava a se remexer, parecia que ia embora. Fez que procurava se estava esquecendo algo em cima de algum lugar, não tinha trago nada, era só pra iniciar a conversa de despedida.

- Já vou.
- Mas tão cedo? Fica mais um cadin.
- Tome, assine aqui.

Estendeu um contrato, eram 17:07h, estava atrasado. A senhora foi até a cozinha pegar o óculos, deu uma lida superficial e pegou a caneta que a visita lhe oferecia. "Isso, aqui nessa marquinha ... pronto, excelente". A senhora agradeceu, com algumas gotas de suor na cabeça, por causa daquela sala abafada. A visita se levantou do sofá, e a senhora se sentou nele, olhando a televisão.

- Me visite outra vez, sinto sua falta.

A visita não disse nada, não havia o que ser dito. Pegou o blazer pendurado na porta e corrigiu a gravata que fora desalinhada pelo calor, arrumou seu terno e colocou o contrato dentro da maleta que estava ao lado do sofá, que antes estava fora da visão da senhora. Abriu um largo sorriso e foi de encontro à porta, para abrí-la. A senhora se levantou depressa

- Se você abrir a porta, não volta mais, é costume que eu a abra pra você.

Mais uma vez, a visita sorriu e passou pela porta aberta. Era noite lá fora, nevava terminantemente, e os pés da visita afundavam no que parecia ser dez centímetros de neve. A senhora fechou a porta, por causa do frio, e sentou no seu sofá, ainda suando por causa do calor daquela tarde de domingo. Agora no programa da televisão, um homem jogava dinheiro à platéia, que desesperada, corria por instinto para pegá-lo.

A senhora sentiu um aperto no peito, e sem se mover, sentiu que nariz começou a escorrer suavemente uma substância líquida. Pingou em suas mãos, e era vermelha. Seus olhos se sentiram mais cansados e seu pele, se enrugou um pouco mais do que já era marcada. Na televisão o homem gritava "quem quer dinheiro! quem quer dinheiro!". Ela fechou seus olhos, e o som continuava a ecoar "é bonita ou não é? maah ôe", "produtos jetiqui, pra você que quer ser uma mulher de verdade!" enquanto a platéia gritava "êeeehhhh!", enquanto o povo se sentava no sofá e esperava o tempo passar. Era só isso que se lembrava, das últimas palavras de sua visita, enquanto morria.

- Logo, tudo será fim. Boa noite. - Ou será que era da televisão?

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