Tudo o que não foi correspondido
Tão lastimável quanto estar atrás de portas e janelas fechadas, ouvindo o som do vento lá fora, mas não poder senti-lo. Queria sentir o vento, tanto quanto queria ler as palavras, poder saber se há alguém do outro lado, recebendo as cartas, os envelopes cheios de histórias, de bobagens, de retratos, de lembranças, de curiosidades, de sentimentos. Só restam hipóteses. Será que ninguém abriu a caixa de correspondência, ou será que a correspondência não é digna de ser correspondida? Lastimável. Uma lástima não poder saber. Queria uma palavra que fosse, mesmo que fria, sentir o vento gelado é melhor do que não sentir. Deveria ser tão mais fácil, bastava colocar tudo no papel, encaminhar tudo o que era de se expressar dentro daqueles envelopes, esperar tranquilamente, receber a devida resposta, sem a agonia de ficar imaginando o que meu destinatário está pensando, o que está sentindo, por que não responde. Cada envelope sem resposta criava uma apertada necessidade de se escrever uma nova carta, acho que era uma forma de tentar compensar os desastres anteriores que nunca foram respondidos. Cartas em cima de cartas, que pena da escritora. Todo aquele conteúdo que se tornou aleatório, meio desleixado, um assunto atrás do outro. Quanto medo de ser desagradável. Talvez não fosse culpa da escritora, talvez apenas não mais houvesse nenhum leitor do outro lado, mas como saber? Parar de escrever e esquecer tudo, ou insistir até que um dia as cartas transbordem pela caixa? Talvez fosse melhor enviar aquela carta que nunca tive coragem de enviar, aquela que deveria ter sido a primeira a ser enviada logo depois que a agonia começou, a que ficou guardada enquanto eu insistia em escrever várias outras:
"Caro leitor;
Tenho
escrito bastante, todos os dias, para te presentear com a minha coleção
de histórias e momentos. Tenho compartilhado tudo de mim, dedicado um
bom tempo, para que você pudesse ler toda a história antes de entrar
nela. Assim tenho passado o tempo, e a cada momento dele você está ligado de alguma forma. Quando escrevo, é para você. Quando não escrevo, estou a esperar
sua resposta, a resposta que nunca chegou. Me lembro de quando você
ainda me respondia, de quando haviam sempre envelopes amarelos na caixa
do correio. Sempre fico a pensar quando foi que você perdeu a vontade de
escrever, ou quando, simplesmente, parou de abrir as cartas. Mas
enquanto isso, enquanto te escrevo aflita, o vento balança a vida, fora
dessa mesa cheia de envelopes e papéis. Então, hoje, decidi que é tempo
de abrir as janelas e as portas. Que voem todas as folhas, cartas,
rascunhos, cartões! Quero sentir esse vento. Que ele faça voar aquelas
histórias por ai. Quem sabe, talvez, elas até encontrem um novo leitor
que há de as responder. Meu caro, essa é, então, a minha última carta.
Foi um grande prazer receber os seus escritos daquele tempo e poder
compartilhar os meus. Mas o trocar de experiências e sentimentos é uma
via de mão dupla, então, agora que você já não parece estar mais do
outro lado, te escrevo o meu adeus."
Enviar ou insistir em esperar?
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