Reynaldo - Motorista de uber ex-dono de um bordel



A passagem do tempo é impecável e inexorável. Um dos aspectos mais interessante pra mim são os caminhos que tomamos que às vezes nos levam a lugares completamente diferentes das pessoas que amamos como nossos pais, irmãos, primos, tios, tias e avós. 

Na minha vida, esses caminhos foram tomados muitas vezes por comparação (link) ou por experiência. Li recentemente que o melhor presente que pais podem dar aos filhos, é mostrar o mundo à ele. Revelar as diferentes opções e escolha que ele pode tomar, as diferentes escolhas de vida que existem, os empregos que ele pode ter, ou em resumo, as possibilidades existentes. Essas possibilidades são tão imensas e às vezes ficamos tão impossibilitados de tentar algo diferente simplesmente porque não conhecemos os caminhos.

Uma vez peguei uma carona em Paris com um senhor de 50 e poucos anos. Sempre gostei muito de conversar sobre a vida das pessoas, ouví-las e tentar entender o ponto de vista delas. Essa pessoa especificamente tinha vivido uma vida particularmente interessante. Na Espanha, existem muitas atividades que não são permitidas por lei ou até que são proibidas pela lei. Porém, existe a tolerância à algumas atividades como a prostituição ou o uso recreativo de drogas. Essa simples tolerância pode parecer um perigo pra integridade ou pra segurança do país, mas com 5 minutos de pesquisa, você descobrirá que a Espanha é um dos países mais seguros do mundo tanto para homens quanto para mulheres. Não é um país que mata (link). 

Esse senhor me contou sua história. Quando ele fez 21 anos, ele abriu um bordel no norte da Espanha, numa praia bastante conhecida. Ele não sabia como funcionava no começo, mas com anúncios na internet e em folhetos nas ruas, ele conseguiu contratar alguns empregados. Com alguns anos de trabalho, ele começou a ganhar dinheiro e a montar uma carteira de clientes fiéis. Conseguiu aos 25 anos comprar uma mansão no meio de uma pequena floresta silenciosa, onde ele viveu até meados de seus 50 anos. 

Ele explicou basicamente o funcionamento de um bordel e não era tão diferente de uma empresa. Os empregados recebiam dinheiro regularmente por semana trabalhada, eles inclusive tinham carteira assinada pra que tivessem direito à aposentadoria. Obviamente, na carteira de trabalho, eles não eram contratados pelas funções que eles realmente desempenhavam - não muito diferente do Brasil de hoje. O dono pagava impostos como qualquer outra empresa e obedecia impecavelmente às normas municipais. Porém os clientes buscavam sempre mais, não se contentavam apenas com os prazeres sexuais e buscavam também prazer no uso de drogas. Devido à uma política do próprio dono, as drogas não eram vendida no estabelecimento, mas muitos dos clientes não eram inteiramente revistados na entrada e o consumo de drogas começou a ser crescente. O estabelecimento regularmente era visitado por policiais locais que usufruíam dos serviços prestados pelo bordel assim como a presença e a amizade deles fornecia uma camada extra de segurança. Após uma denúncia anônima que o estabelecimento venderia drogas - algo que ele afirmou nunca ter feito - um grupo de policiais locais - inclusive dentre eles, clientes - interveio e fechou o estabelecimento.

Decepcionado com essa interdição, ele vendeu sua casa, juntou suas economias e se mudou para a França. Ele começou então a trabalhar como motorista de Uber pra passar o tempo, mas era bem claro que ele não precisaria nunca mais de trabalhar. Perguntei à ele porque ele escolheu abrir um bordel no lugar de fazer uma faculdade ou entrar para uma empresa "normal". Ele não soube responder. Quando o encontrei, ele tinha 60 anos e para ele, a escolha que ele havia tomado era apenas uma como qualquer outra dentro das opções que ele possuía. Um caminho (link) ou uma oportunidade que ele teve de ter a vida que ele queria em um curto espaço de tempo e ele a aproveitou.

Antes de fazer qualquer julgamento moral sobre essa experiência, quero que você tente imaginar o olhar em paz nos olhos desse homem com rugas de sorriso no rosto. O objetivo dele claramente pra mim - que conversava com ele em espanhol, sua língua natal - nunca foi ganhar poder, ficar milionário e esbanjar todo esse dinheiro em fotos no Instagram. Ele queria uma vida justa, em que ele vivesse bem e com dignidade. Ele viu desde sua juventude que não havia outro caminho.

Às vezes me pergunto quem teria me tornado sem os caminhos e as oportunidades que me foram apresentadas. 
Sem a estabilidade no lar que meus pais me deram. 
Sem a estabilidade de uma família mentalmente e financeiramente normal. 
Sem o apoio de familiares próximos que incentivaram minha busca por educação.

Minha história aqui no Brasil é recheada de privilégios que muitas vezes eu não reconheço. De certa forma eu não reconheço porque talvez não sejamos acostumados à reconhecer por aqui. Não reconhecemos os esforços dos outros e temos dificuldade em aceitar quando nossos esforços não são reconhecidos. Mas isso é matéria pra outro texto.

Não é muito estranho que histórias como essas desse motorista de Uber estejam completamente ocultas aos teus e aos meus olhos? Estamos realmente ouvindo as pessoas ao nosso redor?

Gosto muito desse site chamado ZenPencils. Eles tem uma abordagem bem interessante sobre algumas características da vida que estamos ignorando completamente. 

Em 2011, escrevi uma carta para meu futuro filho ou filha, nela uma das partes que mais me toca hoje é: "A beleza não está nos olhos de quem vê. A beleza está nos seus olhos. E apenas neles. A beleza não está nos corpos belos, delicados. Ela está no mais simples gesto de carinho, e no mais nobre ato de desculpar-se. Desculpe-se verdadeiramente filho, pois desculpas e elogios vazios, as modelos, os gerentes, a sociedade está cheia deles.

[...] 


Lembre-se sempre de seu nome. Não importa quantas identidades tenha, quantas memórias e palavras usar como seu nome.
O significado de seu Ser é eterno, e carregará ele desde pequeno até o dia em que [morrer]"

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