Erik, The Red - 7

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É na guerra que se encontram os melhores homens, e na paz que os perde.

Nos dias em que a verdade me faltou, os olhos me cegaram e meu desejos se tornaram cheios de tolice. Porém, qual é mesmo a verdade?

Fábio e eu atravessamos a floresta com nossas coisas. Ph'arux nos deu sua "benção" por assim dizer: A nova armadura - que resolvi chamá-la de Hiperbórea - estava no formato pedra por enquanto; Nossas espadas, além de suprimentos para as batalhas que viriam. Além disso, Ph'arux também havia me dado uma dúzia de pequenas bolas vermelhas - que mais tarde chamei de Euph. Ele disse que se nada desse certo mais, se fosse morte certa, que eu engolisse uma daquela e então... Bem, ele não disse o que aconteceria, mas como os clichês mandam, deve ser algo como eu ficar muito forte, ou desenvolver a perna de duende para o corpo todo. Realmente, essas coisas nunca mudam, parece até que isso é um conto de fadas. Porém contos de fadas tem finais felizes.

Estávamos em um ritmo forte, correndo através do espaço entre as árvores que pareciam se erguer infinitamente pelas nossas cabeças. Já faziam algumas horas que estávamos andando, e chegava próximo a hora em que o sol está acima de nós. Resolvemos parar para fazer um lanche rápido.

Uma coisa que você deve saber sobre o nosso povo, é que não temos frescura. Por isso, quando vi Fábio pegar duas coxas de novilho mal-passadas e comê-las ao mesmo tempo, jorrando hidromel na boca recém feito por Ph'arux - nunca vi um lagarto fazer um hidromel tão bom - eu simplesmente me senti em casa. Peguei uma das pernas de vitelo e comecei a devorar a carne que estava presa ao osso. Ela estava bem crua, da maneira que gosto, em alguns pontos dava pra notar ainda a presença do pêlo do animal. Como minha mãe costumava dizer: Custodit vitam qui vustodit sanitatem, ou melhor, Saúde cuidada, vida conservada.

Enquanto comíamos ouvi um barulho em meio as árvores. O barulho de um animal sibilando através do vento. Um animal ou um homem. Quando empunhei "Hand R' Chz" eu os vi.

- Nós somos homens de paz. Guarde sua espada. - Disse um homem que veio à frente de um grupo de outros seis homens com espadas sem guarda, apenas com as lâminas, e os punhos de uma espada.
- Quem sois vós que atrapalham o almoço de dois guerreiros? - Fábio disse isso, mas soou mais como "Mmm m mMm m mm mmMW?!" porque a boca dele ainda estava cheia de bezerro. Resolvi dizer eu.
- Quem sois vós? - Acho que soou meio letargio, efeito do hidromel.
- Somos guerreiros do reino do sul, somos mandados do Rei Siemowit para matar todos os répteis dessa região.
- Eu conheço o Rei Siemowit, ele é um homem sábio. Tenho certeza que ele teria mandado mais homens do que sete, ou com quase toda certeza ele os acompanharia até aqui. - Os homens do grupo se entreolharam e o mais à frente novamente falou.
- Os outros homens morreram, foram mortos por reptilianos. - E nesse momento ele olhou para minha perna de duende irlandês.
- E como vocês sobreviveram? Reptilianos não deixam sobreviventes, ou os que deixam, fazem escravos. - Eles começaram a cochichar mais que o normal. Minha espada continuava empunhada, e Fábio me olhava atentamente com a boca cheia de carne de novilho que ainda não fora mastigada, em alguns pontos estava escorrendo o sangue do animal que saía quando se mordia uma carne crua, e principalmente, escorria da boca se ela estivesse com um pedaço tão grande de carne que não poderia fechá-la.
- Nós fugimos. Corremos.
- Então vós sóis covardes, e covardes devem ser mortos. - Fábio puxou rapidamente sua espada e cortou a cabeça do líder com um brilho louco em seus olhos e com carne de bezerro escapando pela sua boca. Os outros homens começaram a desembainhar suas espadas e um deles tinha um arco e flecha. Esse se afastou e começou a nos mirar.

Pulei para o primeiro homem à minha frente, e usei seu corpo como defesa para a primeira flecha, ele se contorceu à flecha recebida por trás e depois se contorceu quando cortei sua barriga de baixo pra cima com "Hand R' Chz". Seu corpo caiu e corri para o próximo inimigo.

Fábio logo depois de cortar o "líder" com "Kharm Ihl A" cuspiu o bezerro pós-mastigado no rosto de um dos homens e cortou a barriga de outro horizontalmente, de modo que suas tripas escorregaram e caíram no chão. O arqueiro mirou nele e quando disparou a flecha, Fábio se esquivou para a esquerda, próximo ao homem que tentava limpar a carne de seu rosto, o arqueiro se virou para mim, e em seguida Fábio empunhou 
"Kharm Ihl A" e estando ajoelhado fincou a espada diretamente entre as costelas do homem-sujo-de-bezerro jorrando sangue em sua espada e no chão lamacento da floresta.

O arqueiro e o último guerreiro se concentravam em mim. Correndo para o último guerreiro vi quando o arqueiro iria disparar a flecha e o guerreiro iria estocar contra minha alma, para expulsá-la do meu corpo em direção à eterna forne Hvergelmir (céu) - ou seria à Helgardh (inferno) ? - pulei para a esquerda do guerreiro e caí ajoelhado, a flecha fincou no chão e o guerreiro estocou o ar, virei o lado cortante da lâmina na direção de sua canela, e com um golpe preciso e direto cortei as duas canelas esparramando músculos e carne para todos os lados, fazendo o guerreiro soltar sua espada e tentar andar sem pés com suas pernas que jorravam de sangue o chão, até que a dor o fez gritar e cair no chão, mas ainda vivo. Olhei para o arqueiro, ele tensionava uma flecha diretamente em mim. Fábio apareceu silenciosamente atrás dele, cortou a corta de seu arco, fazendo a flecha cair no chão e quando o arqueiro se virou para olhar, Fábio pegou minha faca, - então estava com ele! Estava procurando... - fincou no olho direito do homem e a retirou, fazendo sangue fluir através da abertura que agora penetrava seu crânio.

Olhei para o inimigo deitado à minha frente. Quase perdendo a consciência, ajoelhei ao lado dele, segurei o tecido de suas vestes superiores com uma mão e com a outra segurei a lâmina de minha espada próxima ao pescoço dele. Perguntei:
- Quem os mandou? Sabia que estávamos aqui, quem mandou vocês?
- Os r...
- QUEM OS MANDOU?
- Os reptilianos... Nos aliamos à eles... O rei, se aliou... a...

Ele havia perdido a consciência. Pelo que sabia, o Rei Siemowit era um homem impetuoso, mas duvidava que ele teria se aliado aos reptilianos. Sabia também que o reino do sul era inimigo de nosso reino, e como é conhecido dos guerreiros: O inimigo de meu inimigo é meu amigo. Porém, seus homens estavam se aliando aos reptilianos, e isso era um fato agravante. Agora não tínhamos apenas como inimigos a raça de lagartos, mas também nossa própria raça.

Às vezes penso, quantos inimigos terei que matar, quantas provas terei que enfrentar, quantos mundos precisarei destruir para alcançar meu objetivo? Serão infinitos? Se infinitos forem os mundos que precisarei destruir, que assim seja.

Me levantei, olhei para Fábio e pensamos a mesma coisa.
Ele embainhou sua espada, e eu a minha. Recolocamos nossas bolsas de viagem nas costas e a bolsa de pequenas Euph coloquei dentro do meu peitoral. Ainda não estávamos vestidos com nossas Hiperbóreas, por achar que a viagem seria mais rápida sem elas, porém, como se mostrava, a estrada estava perigosa, e resolvemos usá-las. Fábio pegou a pedra dele e eu peguei a minha, e enquanto andávamos em direção à fortaleza dos répteis, a pedra foi virando um líquido espesso grudado ao nosso corpo e se espalhou rapidamente por ele, nos tornando mais fortes. Sim, a armadura tornava, de alguma forma, nossos corpos mais fortes, mas temendo algum tipo de efeito colateral não utilizávamos elas todo tempo. Agora corríamos mais rápido e parecíamos mais leves. Além de que agora, a armadura envolvia a bolsa que carregávamos, e parecíamos completamente um com ela, sem carregar nada se não espadas.

Atravessamos dez vezes mais que a distância que percorremos da casa até o sol estar sobre nossas cabeças em um curto período de tempo, quando observamos, estávamos já na parte sul da fortaleza do répteis, que ainda estava destruída e abandonada. Estava anoitecendo, e ficamos parados agachados observando durante alguns instantes. Quando notei que estavam perto, por pouco não me assustei.

Olhando diretamente para onde estávamos a menos de dez passos curtos, havia um lagarto negro, atento à floresta. Porém, ele não parecia ter nos visto, pois se tivesse, já teria nos atacado. Estava com uma das mãos verdes nojentas sobre a bainha de uma espada que parecia ter uma lâmina negra e me encarava sem ver. Fiquei imóvel durante alguns instantes observando se ele conseguia notar minha presença. Fechei os olhos e senti o meu sangue gelar. A perna de duende começou a ficar fria, o bastante para incomodar o meu corpo. Comecei a tremer um pouco, mas a armadura me aqueceu o suficiente para que eu parasse de tremer. Notei que o sol se esvaía através do horizonte. O lagarto sibilou algo que não sei como entendi como "volutas" e quinze outros lagartos apareceram próximos à ele. Todos com pele verde-escura, com espadas de lâminas negras em punho. Ele sibilou novamente, e todos guardaram suas espadas e correram na nossa direção. Minha primeira reação foi "Putz, fudeu", mas notei que eles corriam em padrões desordenados e em direções que apenas pareciam vir ao nosso encontro. Corriam com uma velocidade altíssima, mas pude de alguma forma percebê-los correr. Virei um pouco o pescoço e vi Fábio imóvel atrás de mim. E ouvi uma voz nos meus pensamentos "Se eles se moverem ao ataque, matarei a todos", então percebi, podia comunicar com Fábio se olhasse para ele. Consegui fazer com que olhasse para mim e disse "Acho que não conseguem nos ver". Vi seus olhos se arregalarem, mas depois se amainaram e recebi a resposta "Sim, concordo. Vamos aguardar eles irem embora".

Após alguns minutos parados, os lagartos voltaram ao mestre deles com o corpo de um homem, e em seguida, após algumas sibilações e um deles literalmente perder a cabeça - o líder o pegou e decepou sua cabeça - os lagartos verde-escuros foram embora e apenas o líder ficou olhando ao redor. Ele ficou de costas para nós, examinando alguns fragmentos da torre despedaçada a duas semanas. Apenas vi um borrão negro atravessar desde minhas costas até as costas do lagarto negro, em seguida, um corte rápido e direto com uma faca na boca recém-aberta no reptiliano. Quando percebi as imagens que chegaram aos meus olhos, entendi.

Fábio havia levantado, corrido até o lagarto e cortou sua língua para não chamar os outros. Depois disso, ele pegou a cabeça do animal e a separou do corpo, como se fosse um osso velho e oco de novilho se partindo. Abaixou, pegou a bainha da espada negra e olhou pra mim "Gostei da espada".

Ele tirou da bainha negra, jogou "Kharm Ihl A", sua espada, no chão - não gostava de duas espadas, e também "Kharm Ihl A" estava bem usada - e ergueu a espada recém-obtida.

A lua brilhava na espada negra. Não exatamente brilhava, mas de alguma forma, era absorvida por ela. Era uma espada maior que o normal, seu lado cortante era mais preciso e quando me aproximei para vê-la pude ver pequenas inscrições na lâmina. Olhei a primeira vez e não entendi. Olhei a segunda e entendi. Estava escrito "Amat victoria Chart'Oll". Fábio olhou para mim enquanto eu lia, então ele entendeu também e a chamou de "Chart'Oll".

Ele nunca trocou Chart'Oll. E também morreu sob ela. Mas isso é futuro.

Naquele momento, decidimos ser diretos e rápidos. Ele guardou a língua do lagarto negro e embainhou sua nova amante. Atravessamos as muralhas destruídas rapidamente e quando a lua brilhava no topo da noite chegamos ao centro da fortaleza sem levantar quaisquer suspeitas através do caminho que tomamos.


Lá estava ela, como em meus sonhos. A torre principal com janelas bem espaçadas que com certeza davam acesso apenas para as escadas. Ultrapassava as nuvens em altura. Quase que por obrigatoriedade do destino, apontava a lua naquela noite que o céu resplandecia em estrelas e meu coração transbordava ao resgate.

Então eu ouvi. Novamente o som de um uivo através da noite. Um uivo maléfico, cheio de ódio e fome. Olhei a minha volta e nada vi. Olhei para cima, e no último andar olhando para a lua estava a face de um animal. Um animal já conhecido. Um homem-demônio, ou como a semelhança mandava chamá-lo, um homem-lobo.

"Vamos subir". Sabe aquela sensação de que você está subindo verticalmente uma torre pelo lado de fora? Não é incrível? Pulamos de janela em janela, segurando nos parapeitos e dando pulos cada vez maiores em direção à lua. O monstro já havia se recolhido, parecia só ter dado uma boa noite para a lua. Continuamos a escalar e em um momento, não alcancei a próxima abertura, pois não havia, e comecei a cair. Fábio me segurou a tempo e me jogou para dentro da abertura que ele segurava pulando através da abertura logo depois de mim. "Não tem janela mais acima?" "Não". A escada dava acesso para uma sala cheia de recipientes de vidro vazios. Alguns deles estavam sobre a bancada de madeira e alguns dentro de um aquário de vidro. "Queria um pedaço de novilho agora". Ignorei o pensamento de Fábio.

Não havia porta de madeira e a sala estava totalmente apagada. Quase não dava pra ver nada lá dentro. Mas o pouco que vi, foi absoluto.

Haviam pedras cheias de musgo sujas de sangue, e haviam amarras nas paredes de uma recém-libertada sombra. Meu coração se encheu de ódio e desespero que me carregou rapidamente escada acima.

Subimos rapidamente os degraus e nos deparamos com uma porta de ferro. Coloquei a mão sobre ela, e apertei minha mão como se amassasse uma bola de papel. A porta se retorceu, provocando um barulho estridente. Em seguida bati o pé na porta amassada e ela voou para o outro lado da sala.

Estávamos no topo. A luz da lua entrava pela sala escura, iluminando a parte central do cômodo através de uma janela sem vidro aberta em meio a pedra. Observei atentamente a sala e senti novamente, um congelamento na minha perna verde, cada vez maior. Então ouvi sua voz, a voz que soava em meus pesadelos:
- Erik.
- Quem é você? Aonde está? Mostre seu rosto!

Em meios as sombras um rosto negro surgiu, um rosto envolvido por uma névoa absolutamente escura. Junto ao rosto havia um corpo mas estava escondido pela névoa. O rosto se contorceu em uma risada má que o som se parecia com mil gritos de almas em sofrimento eterno. Uma maldade tão profunda e constante que parecia ser a própria origem de todo o mal, talvez fosse, pena eu ser tão ingênuo naquela época.

- Sou Ác. Perpetro em ti. Emano de ti. Sou mal. Sou tudo, sou legião.
- Aon...
- Aonde está Cristiane? É o que realmente quer saber? E a fonte da imortalidade, não deseja viver para sempre meu nobre Erik? Basta pedir, e o tornarei imortal, apenas, se ajoelhe.

Um dia, tudo que eu quis, tudo que sonhei era ser imortal. Poderia viver o quanto tempo fosse necessário para cada coisa, poderia conhecer coisas mil, seria lembrado para sempre, e viveria sem me preocupar com o amanhã, sem me preocupar com guerras, lutas, com sangue. Seria livre. Livre da escravidão do tempo. Porém, tudo mudou. Quando as guerras entre os reinos começaram, vi que aquele que fica fora de tudo nada tem a ser lembrado. Quando os conhecimentos avançaram, percebi que quanto mais soubesse, mais teria que saber, e seria uma corrida infinita em direção à nada. Quando o amanhã chegou, eu notei nos singelos traços de uma dama, que não existe outro motivo para vivê-lo se não o de olhar nos olhos dela mais uma vez, e de poder sentir sua alma doce e bondosa mostrar à mim, esse cavalheiro perdido, o caminho por entre as trevas que cercam minha alma.

- Nunca me ajoelharei à imortalidade. A imortalidade e o tempo devem se ajoelhar à mim. Eu lhe perguntarei novamente: Aonde .. está .. Cristiane?
- Nunca a encontrará. E principalmente, tirarei de você sua alma. Destruirei tudo aquilo que o torna ser quem é. Começando por esse ser desprezível.

A névoa se desfez e deixou um amigo na minha frente. Era Gabriel. Primeiramente olhei nos seus olhos e vi que ele não estava ali. Seja o que for que tenha acontecido, aquele não era meu amigo. Ele andou para a esquerda, e ficou próximo a janela. Quando algumas poucas e esparsas nuvens saíram da frente da lua, sua luz entrou e invadiu o ser de Gabriel. Seu rosto se contraiu em fúria. Seu olhar se tornou vermelho e sanguinário.

Seus braços ganharam pelos negros e sua pele ficou totalmente escura. Seu caninos cresceram e abriram sua boca, deixando vazar dela sua boca em que um líquido escuro parecido com sangue escorria. Me olhou fixamente e começou a vir em minha direção. Enquanto andava suas roupas rasgaram, seus músculos cresceram e sua altura dobrou. Seu rosto ficou negro e cheio de pelos. Seu nariz avançou e unido à sua face, criou o rosto de um homem-lobo, ou melhor, lobisomem. Tornou-se uma criatura medonha e assassina.

Quando pulou em cima de mim, eu já estava com uma Euph na mão. Não por medo, mas por precaução eu a engoli rapidamente e me perguntei o quanto demoraria para fazer efeito.

O monstro me golpeou com a força do seu peso quando pulou em cima de mim, fazendo com que eu destruísse a parede que estava nas minhas costas. O telhado do castelo caiu, quase acertando a mim e a Fábio, que ainda estava paralisado com o dilema de enfrentar um amigo. Me levantei rapidamente, desembainhei minhas duas espadas e investi contra o monstro. A luz da lua, agora banhando todo o cômodo por causa da ausência de um telhado revelava que havia uma cama e uma bancada de madeira totalmente sujas ali. Além de uma estante de livros. Novamente fui pego desprevenido e arremessado na direção da estante. O impacto não machucou tanto, acho que foi a armadura, mas a estante foi despedaçada. E entre um dos livros, havia um em que estava escrito Licantropia, olhei para Fábio "Rápido, pegue e leia um modo de reverter o que está acontecendo com Gabriel" e joguei o livro para ele. Primeiramente bateu pateticamente em seu peito e caiu, mas depois ele se abaixou e pegou, e eu fui arremessado para a bancada de madeira. Enquanto eu ia apanhando, pule ler seus pensamentos enquanto lia: "A licantropia é por muitas considerada... demoníaca... obtenção através de mordida... O fim da licantropia é a morte do indivíduo" e em seguida me olhou "Não temos outra escolha".

Às vezes o destino te sorri, porém às vezes ele cospe no seu rosto e lhe chama de cortesã. Naquele momento, vi que não havia outra opção.

Comecei a sentir a perna esfriar. Ao contrário do usual, aceitei aquela algidez invadindo meu ser. O frio entrou nos meus ossos e no meu sangue, o gelo da falta de alma penetrou meu coração e minha mente. Senti aos poucos meus músculos se retesarem e se ampliarem , proporcionalmente a armadura crescia. Minha pele ficou mais grossa, quase pude perceber que apenas um golpe certeiro a perfuraria. Me libertei dos meus sentimentos humanos e entrei em algo mais profundo, como se estivesse sempre ali porém nunca havia notado. Como se todo o Universo fizesse sentido, e todo esse sentido fosse simples: sangue.

Rugi alto como um monstro que acaba de acordar. Em meu peito meus monstros interiores se libertaram ao mesmo tempo. Fábio recuou perante meu rugido e Gabriel se deteve por alguns instantes. A armadura deixou de proteger minhas mãos e eu entendi o por quê. Minhas mãos se tornaram grossas e assassinas. As unhas haviam se transformado em garras e a pele estava mais grossa do que nunca havia visto. Meu sangue corria gelado em minhas veias e a armadura apenas o aquecia o suficiente para me manter vivo. Pulei em cima de Gabriel e o atirei contra a janela. Ele a destruiu e começou a queda-livre em direção à cidade dentro de fortaleza. Corri até a janela e pulei em um mergulho direto. Consegui alcançá-lo e em pleno ar, cortei seu peito de fora a fora.

A lua se escondia lentamente no horizonte quando caímos no chão. O monstro levantou e no meio do seu peito penetrei com minhas garras, arrancando-lhe um pedaço de suas costelas, porém, ele se recuperava rapidamente, e mesmo tendo o machucado, o lobisomem arranhou a armadura próximo à minha barriga, destruindo e perfurando uma parte que também, como notaria mais tarde, havia me perfurado, mas curado rapidamente.

Dei um soco em seu rosto, o que fez com que um dos seus caninos se quebrasse e perfurasse um de seus olhos, que ele mesmo retirou e continuou a lutar comigo. Começamos a dar golpes sucessivos e rápidos, que um observador normal não conseguiria ver, e então senti suas mandíbulas apertarem meu braço. Eu estava mordido.

Antes que pudesse perceber, além de mordido, havia perdido o braço. O monstro agarrara com tamanha força e me empurrou, arrancando completamente meu braço esquerdo com o pedaço negro de armadura, que evaporou assim que perdeu contato com minha armadura principal. Surpreendentemente, quando olhei para o braço, no lugar do antigo nascia um novo, e junto à ele a armadura se adaptava. Cresceu rapidamente enquanto o lobisomem destroçava o braço que havia arrancado e quando concentrou-se novamente em mim, eu o prendi pelo pescoço com o novo braço esquerdo.

Apertei com mais e mais força, e embora ele me arranhasse, continuei a apertar. O chão estava lamacento, e suas patas com garras se arrastavam nele, provocando sulcos na lama. O horizonte começou a ficar roxo e passou rapidamente para vermelho, porém a lua ainda estava lá, em algum lugar. O monstro ainda lutava, tentava se desvencilhar, mas cada vez mais, até que desistiu. Olhei em seus olhos. Vermelho frio e sanguinário para marrom calmo e agora, sem vida.

O sol nascia. Minha mão começou a latejar, ele já havia morrido, mas continuei a apertar com toda a força que me restava. O sangue escorria em linhas vermelhas, algumas já secas e outras ainda úmidas e frescas pelo meu braço, as minhas veias estavam roxas de tanta força que fazia naquele aperto. Estava ajoelhado, sobre minha raiva que se apagava lentamente, e sob meu martírio eterno. Meus cabelos vermelhos grudavam no rosto pelo suor e pelas lágrimas que saíam de meus olhos, estava sujo por causa da luta. A minha mão ainda apertava com mais e mais força, até que rompeu os ligamentos do pescoço que começava quando minha mão terminava. Minha força cortou a carne de seu pescoço e esmagou sua traqueia. Meu espírito se estilhaçava a cada segundo que continuava a apertar. Rompi seu pescoço, sua cabeça caiu para um lado e irrompeu em jorradas de sangue que umedeceram de vermelho o solo ao meu redor. Seu pescoço escorreu através da minha mão, e seu corpo caiu inerte sem vida no terreno lamacento.

Minhas mãos se afrouxaram. Voltei o meu olhar para Fábio que estava a uns cinco passos longos de mim, e me olhava fixo com o rosto contraído em dor. Olhei para a cabeça que pendia no chão solitária e lamentei:
- Desculpe... Gabriel.

--

Enterrei Gabriel na colina próxima a antiga casa ceáldica dele. Peguei uma das Euph e coloquei junto ao corpo antes de misturá-lo à terra.

Cristiane nunca esteve tão longe de meu toque, de meu coração... Senti o seu perfume mais uma vez através da brisa quando olhei através dos horizontes. Agora apenas uma pessoa podia nos ajudar...

Sólon.

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